IronMan 70.3 Maceió 2022 — ciclismo, tachinhas e imprevistos — PARTE 3

Gabriela Melo
7 min readAug 23, 2022

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Continuação da PARTE 2.

Com os pés secos e sapatilha calçada, a suplementação no bolso de trás, o óculos nos rosto e o capacete afivelado, eu peguei minha bicicleta e fui caminhando até a área de monte.

Subi na bicicleta e sorri, clipar a sapatilha já não era mais um ponto de ansiedade para mim. Tranquilamente eu já estava pedalando, sem problemas.

Os primeiros 5 ou 6km são dentro da cidade e o asfalto não é o mais liso possível, mas consegui encaixar bem o ritmo que eu queria e estava feliz pedalando. Estava indo totalmente dentro do planejado, manter uma média entre 28 e 30km/h.

Eu só precisava manter os próximos 90km. E para isso acontecer eu teria que aplicar exatamente o que eu estava treinada para fazer, garantindo suplementação e hidratação.

Eu segui a seguinte estratégia de suplementação:

  • 25 min e tomava um gel de carboidrato
  • +25 min e comia um quadradinho de rapadura (dei sorte de estar um clima ameno e chuvoso, caso contrário ia derreter tudo e eu ia me lascar)
  • +10 min e uma cápsula de sal.

A cada hora eu tinha que manter isso e foi até bom porque o tempo passava rapidinho.

Primeiros km, estava chovendo pouco e eu estava bem confiante

Como disse, comecei bem.

As tachinhas na pista

Perto do km 8 eu comecei a ver muitas pessoas no acostamento trocando pneu e eu sabia que isso poderia acontecer, mas fiquei um pouco impressionada na quantidade… eu pensava: “tomara que não aconteça comigo também”

Passei umas 100 ou mais pessoas até chegar no km 10 e ver que o meu pneu estava no chão também. Olhei pro lado e tinha um grupo de mais 3 homens parados e eu na hora já fui pra perto deles.

Um deles falou: “mais uma pro bonde das tachinhas?”

Eu não entendi, achei que era normal inclusive. Mas ai ele continuou: “estou parado há 40 minutos, jogaram tachinhas na pista de sacanagem e todo mundo que está parado está com pneu furado”.

Eu não tive tempo de me revoltar ou pensar em como aquilo era um absurdo sem fim, eu só queria resolver e continuar minha prova e naquele momento eu já sabia exatamente o que fazer: trocar a minha câmara de ar.

Na minha bolsinha de ferramentas, tinha uma reserva, tinha espátulas, só precisava da organização pra encher. Então eu já tinha meus próximos passos.

Até que um dos homens que estava lá falou: “Você nunca trocou um pneu na vida, né? Vou te ajudar e trocar para você”.

Como disse anteriormente eu não queria militar e isso pouco me irritou, pelo contrário, eu aceitei porque pensei que ele teria mais experiência que eu naquilo e me ajudaria.

Assim que ele tirou a câmara de ar e foi colocar a outra eu olhei e falei: “não tem que encher um pouco antes?”. Ganhei um olhar de desprezo do cara que já estava bem irritado e já tinha me falado pra desistir da prova umas 3x.

Não tive nenhuma reação e também não duvidei do processo dele, eu confiei, ele estava me ajudando na melhor das intenções.

Com a câmara trocada, avistamos a moto de suporte da organização chegando… eu só precisava que ele enchesse e eu continuaria minha prova, até aí eu estava parada há uns 20 minutos, não era tão ruim.

Quando o homem foi encher, BOOOOOM! A câmara rasgou. Irrecuperável.

Nessa hora o meu pensamento quente foi: “Puta que pariu, não acredito”.

E o mecânico falou: “a câmara de ar estava dobrada e pinçou, isso acontece quando não coloca direito….” — Enfim, aqui eu já sabia onde tinha sido o problema, mas saber isso não me ajudava em nada em como resolver naquele momento…

Minha cabeça estava fervendo nesse momento e eu tinha apenas uma certeza: eu ia voltar pra prova e terminar!

Por isso, eu decidi manter a estratégia de suplementação e mesmo parada eu tomei gel, comi rapadura e tomei cápsula de sal.

Pensei, pensei e pensei até que lembrei que tinha um remendo na minha bolsinha… e era minha última opção!

Peguei a primeira câmara que tinha furado, achei uma poça d’água na pista e fiquei procurando o furo… demorei um pouco pra achar, mas encontrei.

O mecânico me ajudou a fazer o remendo e na hora que fomos colar, minha cola estava zerada! ZERO! Sem cola…

Sério, que raiva que me deu. E volta minha cabeça pra pensar, pensar e pensar… o que eu ia fazer agora?

Antes de fazer a prova eu falei pra minha irmã, em tom de brincadeira, que Nossa Senhora do Pneu me proteja hoje… só pode ter sido ela… Chegou um homem, o Gregório, que já estava no seu segundo pneu furado também e falou: “eu tenho cola, você tem remendo sobrando?”, eu tinha… e fizemos um escambo.

Eu dei um remendo pra ele e ele me deu a cola.

Deu certo e eu fiquei muito feliz. Muito mesmo! Só queria continuar e terminar minha prova.

Enchemos o pneu, estava tudo ok. Me despedi do Gregório, do homem da Bahia e do de Brasília e fui… 1h depois!

Gráfico de velocidade média no ciclismo

A volta pra prova

Quando eu consegui voltar eu fiquei muito feliz, só que ao mesmo tempo fiquei insegura de furar novamente e não ter mais opção.

No gráfico da pra ver 2 quedas da velocidade porque eu parei achando que tinha furado novamente… mas era só impressão!

O sentimento de ser uma das últimas é horrível… não é gostoso pedalar sozinha assim em uma prova. Então tive que mudar as chavinhas e voltar pro foco de terminar a prova!

Além do receio de furar novamente o pneu eu parei para pensar quanto tempo eu tinha para terminar a prova antes do tempo de corte de 5h. E com contas básicas e rápidas eu percebi que estava tranquilo, só não podia dar mais nada errado.

Perto do km 45 eu encontrei uma moça, que também tinha furado o pneu, e vi que conseguiria manter o ritmo dela, fomos pedalando respeitando os 12m de distância e revezando quem ia na frente.

Foi legal ter essa companhia… ela estava bem chateada dos acontecimentos, e ainda assim, motivada a terminar.

Nesse momento começou a ventar forte contra… eu fazia força e não saia do lugar. Lembrei que nesse caso deveria pedalar em uma marcha mais baixa que o normal, abaixar para enfrentar o vento e seguir…

Eu só queria terminar o pedal

Um pouco a frente alcançamos uma terceira mulher, essa já estava mais abalada e preocupada com o tempo de corte, eu a acalmei dizendo “pode ficar tranquila que vai dar, bora”…

Seguimos então por mais 30km no mesmo ritmo.

E quando achávamos que não podia mais piorar, começou uma chuva… mas uma chuva!!! Não da pra descrever.

Eu passei por um de hidratação e quando tentei pegar a garrafinha de água, por causa da chuva estava escorregadia, derrubei 2 e conseguia pegar a terceira.

Na descida mais gostosa estava ventando muito contra e uma tempestade! Sério! Eu pensei nessa hora: “Só quero terminar o pedal, por favor, me permita terminar isso e colocar o pé no chão pra correr”.

Cada quilômetro que eu conseguia avançar eu pensava: “está mais perto, bikezinha, aguenta mais um pouco”… Não estava mais gostoso estar ali.

Quando cheguei nos últimos 5 km eu dei um sorriso e pensei: “qualquer coisa agora eu vou andando empurrando a bicicleta, estou muito perto” e a cada 100m que eu avançava eu só pensava, agora seria apenas 4,9km carregando a bike…

Já beirando o mar, era esse o cenário que eu estava pedalando:

Olha o coqueiro, minha cara, o tempo fechado!

Chegando na transição

No último km eu avistei uma menina parada com o pneu durado de novo, faltando 900m… de novo não!!!

Eu fui esses últimos 900m só querendo que acabasse. Estava me sentindo aliviada de ter rodado 80km com um pneu remendado.

Chegando perto da transição minha mãe já estava lá na frente gritando “VAIIII GABRIELA”… eu não pensei na hora nisso, mas depois ela me contou que só rezava para que eu conseguisse completar sem ser cortada (ela tinha visto no Esporte Espetacular uma matéria que algumas pessoas não conseguiram completar pelo tempo)… ela não tinha ideia de tudo que tinha acontecido, mas continuou lá me esperando!

Foi bem especial esse momento, fiquei feliz quando a vi e percebi que ela me preparou para ser uma mulher forte e que persiste, independente do que aconteça.

Uns 100m na frente já estava também a Lê, minha irmã e Paulinho. Todos super animados com a minha chegada.

Eu logo falei: “furou 2x meu pneu”

E o Paulinho falou: “Não tem problema não, o importante é agora, vamos garota!”

A Lê ainda falou: “Vaaamo Gabi, tá todo mundo aqui torcendo pra você”

Transição para a corrida

Depois disso, eu entrei na transição feliz e confiante. Eu tinha chegado onde eu queria: corrida! E o fato de ter ficado 1h parada era pouco relevante naquele momento e não diminuiria o meu esforço e mérito em estar ali.

Eu sabia que quando eu colocasse os pés no chão, eu terminaria! E isso me deixou ainda mais animada.

Eu fiquei um pouco perdida procurando o lugar da minha bike e o pessoal me ajudou a achar.

Fiz uma transição rápida, em 2'30" mais ou menos.

Tão rápida que estava saindo para correr sem o numeral, mas de novo, o pessoal me gritou para colocar, e sem cápsula de sal, esse ninguém viu…

Sorrindo, eu agradeci por pisar no chão e estar INTEIRA para correr os 21km.

Agora estava em casa.

O Paulinho falou: “Encaixa 5'30/km e vai”… eu fui!

(Em breve parte 4)

Relatos anteriores

PARTE 1: pré largada

PARTE 2 : largada e natação

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Gabriela Melo

Treinando para o meu primeiro IronMan 70.3. Nesse espaço compartilho minha jornada e várias versões da Gabriela. Sejam bem-vindos!