Natação em águas abertas – relato pós 1ª prova no mar

Gabriela Melo
9 min readFeb 10, 2022

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Alguns anos atrás não existia a menor possibilidade de eu escrever um relato pós competição no mar, até porque eu me limitava a ir à praia e ficar na areia, apenas.

Não sou a maior fã de praia e tenho medo de água viva. Já fui queimada e esse foi o motivo que eu abracei pra ficar mais de 7 anos sem entrar no mar.

Não digo que senti falta, até porque já nem gostava, então não foram anos buscando superar esse receio. Entre nós, eu acho que era mais uma boa justificativa que eu abracei pra explicar porque eu era a mais chata de todas quando íamos pro litoral.

Dado esse contexto e cortando a cena para o último fim de semana (6 de fev de 2022), cá estou eu escrevendo sobre a primeira vez que entrei no mar por livre e espontânea vontade com o objetivo de nadar 1000m (SPRINT) em uma competição tradicional chamada Rei e Rainha do Mar (e paguei R$155,00 pra isso).

Essa edição especificamente foi só para mulheres, por isso o nome era Rainha do Mar.

Como prometi que não seria breve, ressalto que um relato de prova não começa somente na hora da buzina que antecede aquela correria característica de qualquer largada.

Respeitando a linha do tempo, meu pré prova começou com a minha angústia e mau humor absoluto antes de ter que pegar o carro e dirigir para o Rio de Janeiro, lugar que nunca tinha chegado de motorista da rodada.

O fato de ter que dirigir me deu tanto medo, insegurança e fez eu pensar em tantas coisas ruins que poderiam acontecer, que aquilo me sugou até o último. Fui uma péssima companhia e já aproveito para me desculpar em público (Lê, sigo te amando ❤).

Na sessão de mentoria antes do evento eu falei que estava indiferente com a prova e com o fato de ser a minha estreia no mar… aquilo não estava despertando nenhum sentimento em mim.

A verdade é que eu não conseguia sentir frio na barriga pré prova porque meu receio da direção era maior que qualquer outra coisa naquele momento.

Ela me recomendou parar e fazer um exercício de visualização. Foi quando eu escrevi, em detalhes, exatamente como eu queria que fosse a saída de casa, a estrada e a chegada no Rio. Eu foquei em escrever coisas boas e como eu me sentiria quando cada uma dela acontecesse.

Na medida que eu ia escrevendo, meu coração ia acalmando e eu consegui sentir meus batimentos voltarem ao normal.

Foi o que me ajudou a ficar mais próxima dos fatos e focar nas coisas que eu controlo — tudo isso acontecendo e eu já estava no auge da minha introspecção, sem demonstrar qualquer animação.

A verdade é que o exercício de visualização não significava que tudo aconteceria exatamente como eu planejei, foi importante para eu deixar passar aquela enxurrada de pensamentos ruins que estavam me dominando. Visualizar coisas boas teve um impacto enorme em como eu me comportaria dali pra frente.

A VIAGEM

A viagem em si foi OK, pegamos 3h de trânsito na Dutra que acabou atrasando a hora de chegada, mas não atrapalhou o objetivo do dia que era retirar o kit e descansar para acordar bem no domingo.

A alimentação não foi das melhores e isso é até um excelente ponto de atenção para quando eu tiver que ir em competições que a distância é maior. Ir um dia antes é bem arriscado. O ideal é chegar pelo menos uns 2 dias antes e conseguir organizar tudo com calma.

Guardada a devida proporção do evento, 1 dia era ok de chegar. Até porque 1000m dá pra fazer em uns 20 minutos.

Enfim, com o check in feito, carro estacionado e alimentadas, fomos andando até o local da entrega do kit e aqui vocês podem sentir um pouquinho da energia:

https://www.instagram.com/reel/CZnBqwlFIT2/

Com o kit em mãos e não tão estressada

Na real, eu gosto demais desse clima de prova e fico sempre viajando na história de cada pessoa que está ali. Querendo ou não é um lugar que tem, minimamente, pessoas com um estilo de vida parecido com o meu e isso faz com que eu me sinta quase que acolhida (isso apenas com trocas de olhares por trás de rostos mascarados).

Sem muito espaço para festas, decidimos comer um macarrão de janta e ir pro hotel descansar (como boas jovens senhoras, 20:30 já estávamos deitadas curtindo a noite carioca).

Colocamos o despertador para 7h, já que até esse momento achávamos que a prova começaria 10h30 da manhã.

O DIA DA PROVA

O relógio biológico despertou antes e por volta de 5h45 já estávamos acordadas (ainda bem — e você vai entender em breve porque).

Como o horário que tínhamos visto era de 10h30 com transmissão na Globo o que não nos faltava era tempo para tomar um bom café da manhã e ir com calma até o local da largada.

Até que…

Recebo uma mensagem da Úrsula, colega de faculdade, por volta de 6h15 dizendo que estaria no evento e que, inclusive, já estava chegando.

Achei estranho ir tão cedo e foi quando me despertou uma leve curiosidade de confirmar o horário da largada.

Não era 10h30 a largada da nossa prova, mas sim 7h da manhã!

Como nesse momento era cerca de 6h20 e a gente estava a 300m do evento, não gerou nenhum tipo de caos, apenas um acelero justificado pelo tempo que de “folgado” tornou-se “bem apertado”.

Deixamos o café da manhã pro pós prova, confiamos no estoque de carboidrato do dia anterior e com uma banana na barriga andamos em direção a praia.

Na nossa mochila tinha:

  • roupa de borracha;
  • óculos de natação espelhado e próprio para nadar no sol;
  • touca da prova;
  • touca que compramos para tietar a Ana Marcela (campeã olímpica em Tóquio 2020 e que estaria no evento).

Chegamos com tempo de “sobra” para colocar a roupa de borracha, guardar a mochila no guarda volume e ir em direção à área de largada.

A PROVA

Devidamente equipadas, atravessamos o pórtico e já ficamos na área de concentração pré prova.

Foi tudo tão rápido que não deu tempo de parar pra pensar em tudo que estava acontecendo naquele momento e, consequentemente, minha mente aquietou-se por alguns segundos e eu me senti 100% presente.

Agora parando pra refletir, não existia preocupação na minha cabeça do que estava por vir e nem do que tinha passado.

A Lê orientou que ficássemos em uma posição lateral e mais para o meio, porque assim conseguiríamos ter um bom ritmo na prova sem ficar tão na confusão que é até a primeira boia.

Momentos antes da largada

Com o som da buzina, iniciamos uma caminhada sem pressa em direção ao mar, que estava até que tranquilo e com apenas uma onda pequena para quebrar.

Com poucos passos e já dentro do mar, foi possível começar a dar algumas braçadas, mantendo um nado polo e tentando encontrar um espaço seguro para nadar sem levar nenhum chute.

Até a primeira boia não é agradável nadar em águas abertas, acaba que ainda está muito tumultuado e os grupos de nadadores que nadam em diferentes ritmos ainda estão juntos, o que prejudica quem consegue nadar mais rapidinho.

Isso faz parte e é uma questão de paciência e constância. Tem que seguir o plano, nadar com técnica, manter as respirações iguais ao que foi dado em treinamento e garantir que a frequência cardíaca fique controlada.

Não estava gostoso e confortável. Eu lembro de passar pela minha cabeça: “não tô gostando, será que isso ainda vai ficar bom?”

Pensei também: “sorte que só é 1km, imagina se tivesse que ficar aqui mais tempo?”

Esses pensamentos ficaram comigo até, mais ou menos, a terceira boia que contornei com o braço esquerdo.

Eu percebi que estava indo bem porque o fluxo de pessoas começou a diminuir e em alguns momentos parecia que estava sozinha nadando.

Dei sorte também de ter a Lê me orientando o tempo inteiro e em uns bons momentos aproveitei a esteira dela pra tentar ganhar ritmo. Foi uma baita ajuda!! 🧡

Passando, então, a terceira boia, esses pensamentos doidos foram embora e eu comecei a gostar de estar ali. Parecia que estava mais feliz.

Passou pela minha cabeça que naquele momento teria uma correnteza a favor, verdade ou não, eu acreditei e segui.

Era uma felicidade que alternava com um leve medo do incerto cada vez que minha mão batia em uma sacola de plástico (ou água viva). Nunca saberei.

Seguindo então esse bom fluxo, entre a quarta e a quinta boia, percebi que minha touca estava saindo, arrumei como deu e voltei as braçadas. Pouco tempo depois algumas algas enroscaram em mim, eu assustei e quando fui tirar, saiu meu óculos, minha lente saiu do olho e eu fiquei só processando o que seria menos pior:

“Coloco o dedo de água do mar no olho? Paro aqui do nada? Apenas sigo o baile com o olho ardendo?”

No final eu apenas continuei, com o olho ardendo e com a certeza que minha lente não estava mais ali.

Eu sabia que estava indo bem e também já avistava a praia. Estava bem perto de terminar.

Comecei a apertar o nado porque já queria acabar a missão… ficar sem enxergar nitidamente me deixa irritada!

Contornei com o ombro direito a última boia e nadei, nadei e nadei até encostar as mãos na areia (dica da Le pra saber a hora certa de ficar em pé e não perder rendimento).

Levantei pra começar a corridinha na areia e minha touca já estava quase saindo de novo. Olha só:

A touca saindo comprova meu amadorismo

Fui caminhando até o pórtico e, como de costume, sorri.

Sorri e pensei: Ufa! Acabou! Até que foi gostoso!!

E como em um passe de mágica eu esqueço de tudo que acabou de acontecer e sou dominada pelos hormônios mais gostosos que existem.

Começo a sorrir à toa, fico até desorientada. A sensação de missão cumprida é muito boa.

Momento amnésia que tudo faz sentido

Uns 10 segundos depois eu já encontrei com a Lê, pegamos a medalha e fomos pra rua. Nesse momento a gente nem tinha processado ainda tudo que tinha acontecido, só estávamos muito feliz de, simplesmente, estar ali.

É muito bom poder compartilhar essas aventuras com uma pessoa que eu admiro e me sinto bem por estar perto, vai além de companheirismo e parceria. É como se eu olhasse em volta e pensasse: “é meu sonho, só que na vida real”

Eu sou sortuda demais.

A sorte

PÓS PROVA

Quando acabou a prova, percebemos que estávamos do lado da área de convidados, onde estavam as atletas de elite, e lógico, que teve espaço de sobra para tietarmos.

Por coincidência, aquela mesma colega de UNIFEI que mandou mensagem e nos salvou, estava nessa área (e ela não tinha ideia que estava no mesmo rolê que várias atletas sinistras).

Aproveitamos para pedir que ela nos ajudasse a tirar uma foto e pedir autógrafo para a Ana Marcela, atual campeã Olímpica de Maratona Aquática em Tóquio 2020.

Segue o registro:

Agindo naturalmente perto dela

Tivemos oportunidade de estar lado a lado da Sharon, que ganhou a competição nesse dia e foi também campeã olímpica da Maratona Aquática no Rio 2016.

Enfim, privilégio imensurável.

Tietando até não poder mais

Parei agora para dar um respiro e reler toda essa história. Comecei a rir, porque na medida que ia escrevendo, meu corpo ia relaxando e toda aquela tensão dos primeiros parágrafos, ficaram para trás.

O esporte me trás para uma realidade muito boa e que desperta sentimentos de diferentes formatos e intensidade.

As vezes fico buscando justificativas bonitas para tentar entender o porquê de tudo isso… mas tem coisa que não precisa ser rotulada.

Minha vida é gostosa demais desse jeito.

Eu sei que estar perto das pessoas que eu admiro e amo, vivendo experiências únicas em ambientes próximos da natureza é o jeito que eu me sinto mais feliz.

E assim termino esse relato.

Se você chegou até aqui, obrigada.

Nos encontramos pelo caminho… ❤

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Gabriela Melo
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Written by Gabriela Melo

Treinando para o meu primeiro IronMan 70.3. Nesse espaço compartilho minha jornada e várias versões da Gabriela. Sejam bem-vindos!

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