IronMan 70.3 Maceió 2022 — corrida e chegada — PARTE 4

Gabriela Melo
8 min readAug 30, 2022

Eu estava tão feliz por ter chegado inteira para começar a corrida que pareceu natural estar pronta pra fazer força. Durante todo o meu treinamento eu sabia que esse seria o momento de buscar posições, e como era minha modalidade de maior bagagem, eu tinha confiança e conhecia a distância.

A principal diferença era correr 21km com um acumulado físico e emocional de 91,9km. Mas eu estava treinada para isso.

Todo o caos do ciclismo não me atrapalhou e nem me desanimou, como meu principal objetivo era completar a prova, eu estava focada em cruzar o pórtico e viver cada momento daquela reta final.

E aqui é o primeiro ponto que eu refleti e notei como a nossa percepção muda de acordo com o cenário. Quando eu ia para provas só de corrida, eu achava 21km bastante coisa; mas, naquele momento eu cheguei a pensar “faltam só 21 agora, tá acabando”.

O percurso da meia maratona era plano e tínhamos que fazer 3 voltas de 7km, a cada volta você recebia uma gominha de cabelo colorida que era colocada no antebraço, essa dinâmica foi boa porque a interação com as pessoas que estavam acompanhando na rua era uma motivação extrínseca que, naquele momento, fazia diferença!

Minha mãe, Ma, Lê e Paulinho estavam posicionados perto da chegada, que era também o local onde eram marcadas as voltas; eu passaria por ali 6x durante a corrida.

O começo da corrida

É sabido que em uma prova de triathlon, quando você sai da bike e começa a correr o corpo leva um tempo até entender o mudança de movimento, levando isso em consideração, eu fiquei atenta aos sinais.

Eu comecei com um ritmo mais forte e a minha percepção de esforço era que estava em 4, numa escala de 0 a 10; só que como eu não tinha treinado naquele ritmo, eu sabia que manter por mais 20km seria insustentável.

Decidi dar uma segurada e manter o ritmo na casa de 5'30" por km, que era dentro de todo o meu planejamento.

Eu corria me sentindo leve e me vesti do melhor sorriso! Era essa energia que eu queria que me acompanhasse.

Confesso que o sentimento que prevalecia era de alegria, mas passava de relâmpago uma sensação levemente angustiante quando via no braço das pessoas as marcações de 1 ou 2 voltas completas na minha frente.

Sabe na bike que contei que o sentimento de ser uma das últimas não foi legal? Então… ele só não me acompanhou na corrida porque como era o mesmo circuito em várias voltas, eu me senti mais acolhida por estar lado a lado de pessoas que estavam começando e também terminando a prova.

Nesse momento, em relação ao clima, parecia até que era outro dia, local e estação. Toda a tempestade e vento que passei no ciclismo, ficou para trás. Abriu sol e a temperatura estava agradável, mesmo sendo quase meio dia.

E nesse cenário que me favorecia de todas as formas, eu ainda precisava me manter concentrada para não estragar nada na reta final. Não tinha espaço para erro na suplementação nessa altura do campeonato e, por isso, minha estratégia foi mantida:

25' gel + 25' rapadura + 10' cápsula de sal: e repetia era sequência 2x, completando a meia maratona em um espaço de cerca de 2h.

Eu estava muito feliz de estar ali, naquele momento, vivendo e experimentando aquelas sensações. Chega a me faltar palavras para descrever.

“Eu corria me sentindo leve e me vesti do melhor sorriso!”

Início da segunda volta

Quando fechei a primeira volta e passei pelo Paulinho, ele falou “tá muito bem, parece que começou agora! Não é hora de poupar energia”.

Eu realmente estava me sentindo bem, mas ainda tinha mais 14km e não me senti confortável para ousar fazer mais força do que estava fazendo, só queria manter até o final naquele ritmo.

Em treinamento eu tinha experimentado algumas sensações de desgaste maior perto do km 14, que era quando eu tinha vontade de caminhar ou diminuir a intensidade. Eu já estava acostumada a pensar que se eu passasse pelo 14 bem, eu faria os últimos 7 sem problemas.

Minha estratégia não foi correr focando na expectativa de como me sentiria quando chegasse os 14, eu estava tão bem por estar ali que eu queria sentir tudo que me fosse permitido. O vento no rosto, o sol na pele, os gritos da torcida e do staff.

Presenciei sentimentos intensos que só conseguimos desfrutar quando estamos imersos no presente.

Nessa vibe, fechei 1h de prova e quando fui pegar a minha cápsula de sal, vi que tinha esquecido a caixinha de metal na área de transição. Na mesma hora eu passei por um posto de hidratação que tinha uma bacia com sachês de sal, desses que tem em mesa de restaurante; não pensei duas vezes e abri um saquinho e joguei na minha boca, junto com algumas goladas de água.

Pareceu que foi uma injeção para aguentar os últimos km.

Quando estava perto de virar para a última volta, eu encontrei a Fernanda Cordeiro, uma mulher que eu já acompanhava pelas redes sociais e que me inspira muito, inclusive tinha lembrado dela na T2 (transição bike — corrida) e pensei que ao pisar no chão, terminaria a prova. Ela estava finalizando a última volta, tinha também furado o pneu no ciclismo e ficado 1h30 parada; existia certa frustração na nossa rápida conversa, mas o que mais me marcou foi que ela ainda estava ali, fazendo força e focada em terminar, independente das intempéries.

Fernanda, se você estiver lendo, eu aproveito para te agradecer por compartilhar sua jornada no triathlon e também por ter compartilhado alguns km dessa prova comigo. Tanto você como sua mãe são referências para mim nesse mundo de longa distância.

E, para completar, minha reflexão nesse momento foi que se a nossa única motivação for um troféu ou uma classificação, quando acontece algo como as tachinhas na pista, a gente simplesmente desiste, já que uma pausa dessa pode comprometer uma posição no pódio.

(Se não entendeu essa parte, sugiro voltar um texto e ler a parte 3 nesse link)

O reconhecimento externo e materializado é válido e importante, não vou ser hipócrita de dizer que não sonho com ele também, mas se ele vier sozinho, não acredito que se sustente por muito tempo.

A Fernanda apertou o passo para concluir a sua prova e eu ainda tinha mais 7km. Estava no km 14.

Última volta

Talvez a energia da prova me fez distrair por alguns instante e passei pelo temido km 14 sem perceber que aquilo, um dia, foi uma barreira. Eu começava a última volta mantendo o ritmo do início, estava bem!

A Le, Ma, minha mãe torciam e falavam: “VAAAAI GABIIII. Forte, forte, forte!!”. Eu seguia correndo feliz, dava pra notar.

O Paulinho completou “Faltam 7km para você conquistar seu sonho”…

Paulinho me dando um pescoção pra dar força pra última volta (risos)

Eu curti aqueles últimos km como se fossem uma despedida. Era um marco, eu estava emocionada da minha trajetória.

Quando fiz a volta no km 17 e alguma coisa uma senhora na rua gritou: “tem que correr feliz mesmo”, talvez eu fosse uma das poucas pessoas que estava, naquele momento, sorrindo atoa.

Essa era eu, ensopada e feliz!

Como já era perto de 1 hora da tarde e o sol já estava castigando um pouco mais, eu parei em um posto de hidratação e caminhei por cerca de 50m enquanto jogava água na minha cabeça, colocava algumas pedrinhas de gelo no meu posterior da coxa também. Aproveitei para colocar um copo de água gelada na parte de trás do meu macaquinho, dentro do meu top e o outro copo eu molhei minha boca e dei algumas goladas.

Depois disso eu voltei a correr, no ritmo que estava a prova inteira. Estava, literalmente, correndo para o abraço.

Quando cheguei no km 21, faltando 100 pra cruzar o pórtico, eu já vi a Le, que foi do lado comemorando junto comigo.

Por alguns segundos eu não estava conseguia acreditar naquilo. Eu tinha visualizado tanto aquele momento, mas ainda era uma dúvida para mim qual sentimento prevaleceria.

Quando fiz a curva para entrar no tablado preto e avistei o pórtico parecia uma explosão dentro de mim, foi algo tão intenso, tão bom, tão gratificante. Eu quis TANTO aquilo. Dei um berro colocando tudo pra fora.

Eu me senti forte, potente, capaz… eu estava realizada.

O melhor sentimento que já senti na minha vida

E depois dessa força toda, em questão de segundos, eu desabei em um choro que só buscava por acolhimento, cuidado e proteção.

Abri o bocão

Eu fui andando seguindo a orientação do staff, no automático, chorando muito, de soluçar.

Encontrar a Ma, Le e minha mãe ali na grade foi como se eu chegasse em casa, e estivesse no ambiente mais seguro possível para sentir o meu eu interior no auge da sua vulnerabilidade.

Eu me senti forte e frágil, esses dois extremos me representavam. Nós somos instantes.

E para finalizar…

Todo o meu planejamento e organização me prepararam para ter uma prova segura e uma jornada de 70.3 milhas, minimamente, prazerosa.

Isso foi o básico.

Só que o espaço entre o planejamento e a realidade é onde habitam as surpresas da vida.

Foi nesse espaço que encontrei o sentimento que buscava, que me fez me sentir em contato com o meu eu mais verdadeiro. Essa força junto com a fragilidade; esses opostos que, por centésimos de segundo, se completaram.

Essa prova foi muito mais que um dia inesquecível, foi a melhor forma que encontrei de despertar a atleta que existe dentro de mim.

E que eu nunca me esqueça disso!

Obrigada por terem me acompanhado até aqui… Nos vemos pelo caminho!

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Gabriela Melo

Treinando para o meu primeiro IronMan 70.3. Nesse espaço compartilho minha jornada e várias versões da Gabriela. Sejam bem-vindos!